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Desenvolvimento infantil e pandemia

Carolina Parisi

Desde o início da pandemia no Brasil, em março de 2020, mudamos nosso estilo de vida para preservar a saúde e evitar o adoecimento frente a uma doença desconhecida.

Tornou-se frequente no consultório a busca por avaliação e orientação fonoaudiológica frente as crianças que, impossibilitadas de irem às escolas e interagirem com seus pares ficaram confinadas ao uso de telas.

Quero ressaltar aqui que a mudança que houve nos relacionamentos humanos, a nova rotina, apesar da família estar presente em casa, distanciou pais e filhos.

Os pais precisaram se adaptar e executar o trabalho online, dessa forma mesmo estando em casa não podiam interagir com as crianças e essas, por sua vez, mal podiam falar para não interromper as inúmeras reuniões online.

Sem pesarmos as consequências rapidamente mergulhamos, mais fundo, no mundo virtual para garantir a sobrevivência do mundo real.

Focamos tanto no sobreviver e esquecemos que na realidade a vida é SOBRE VIVER!

Viver e olhar nos olhos, conversar com os que estão ao nosso lado, compartilhar sentimentos, pensamentos, construir as relações é o que primordialmente diferencia o Humano de outras espécies.

A psicanálise winicottiana nos ensina que o bebê humano, diferente de outras espécies, nasce em “estado de desamparo” por meio da qual se faz necessário o cuidado do outro para alimentação e higiene por um período prolongado. “Ao nascer o bebê é imerso nesse mundo de linguagem e constitui-se simbolicamente através dos ditos e interditos na fala de quem faz com que ele se reconheça como sujeito, apresentando a ele sua própria imagem e o mundo. Como o bebê humano nasce em um estado de desamparo ele precisa do outro que lhe alimente e cuide de sua higiene, essas relações estabelecidas em decorrência das necessidades vitais são permeadas pela linguagem e pelos afetos do cuidador, geralmente a mãe. Essas trocas marcam o corpo do bebê não só por meio dos ditos, mas também pelos silenciamentos que podem presentificar fantasmas e mitos familiares” (Parisi, C. 2001)

Françoise Dolto alerta, desde 1996, que “a função simbólica está em jogo, constantemente, durante todo o tempo de vigília da criança”.

A partir do exposto torna-se claro compreender as manchetes atuais “Isolamento na pandemia deixa crianças com atraso de fala ” (1) Folha de São Paulo 08/08/21; “As máscaras podem afetar o desenvolvimento das crianças” (2) Viva Bem portal UOL 10/0202022; “Crianças com atraso de fala tem sido frequentes nos consultórios durante a quarentena” (3) Canguru News Portal R7 em 03/12/2020; “As máscaras podem provocar atrasos no desenvolvimento dos bebês”(4) portal Impar 07/11/2020, “Atraso na fala leva crianças ao consultório e confunde pais após quarentena” (5) portal Terra 27/06/2021; “filhos tem QI inferior ao dos pais por culpa da era digital” (6) Canal Tech 17/06/2021 e por fim a recente revisão dos marcos do desenvolvimento infantil pelo CDC (Centers for disease control and prevention) (7) e AAP (American Academy of pedriatrycs) (8) que apesar de não estar diretamente relacionada aos efeitos da pandemia não deixa de chamar atenção para esse fato.

Fizemos o que pudemos, como soubemos e agora é hora de retomar o dia a dia, as atividades da vida diária devem ser revistas, canceladas ou ressignificadas de modo que as crianças ganhem lugar para poderem se manifestar como sujeitos, como Humanos, espécie que tem em si a potencialidade de transformar o mundo em que vive.

Como especialista em linguagem oriento às famílias que revejam seu modo atual de funcionamento e façam as alterações necessárias. Não é necessário uma multidão para a criança desenvolver-se saudavelmente, tanto física quanto psiquicamente, mas é de suma importância que haja interação de qualidade.

Reveja as atividades que podem ser dispensadas, as que são essenciais, construa a melhor maneira de fazer os cuidados básicos como hora da refeição, banho, sono, estabeleça uma rotina na qual a família possa se fortalecer em laços e valores, inclua jogos de tabuleiro, bolas, massinha. Olhe nos olhos, deixe momentos sem uso de telas, interaja, troquem experiências prazerosas, não deixe que o momento de comunicação seja marcado unicamente por cobranças “fez a lição, vamos almoçar, arrume isso, limpe aquilo”.

A manutenção saudável do vínculo afetivo é primordial para resgatarmos, e assim promovermos, o bom uso das faculdades humanas superiores: pensar, falar e agir e assim construirmos um futuro melhor para todo nós.


Links dos artigos citados, consultados em 05/03/2022

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